sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
Alegria
“A alegria pede passagem!” diz uma voz daTV ao anunciar a abertura das festividades do carnaval. Alegria com dia e hora marcados, suposta alegria de dentes expostos num sorriso espástico, que apela silenciosamente: É carnaval! Anime-se!
Vivemos assim, de alegria em alegria durante o ano todo. Passagem de ano, carnaval (alegria expiada na quarta-feira de cinzas), precursora da quaresma que culmina na paixão e morte de Cristo.
A morte do Cristo impossibilita qualquer alegria. Mas ele ressurge, é páscoa! Alegria regada a ovos de chocolate, alegria dos fabricantes!
A ressurreição é maravilhosa! O Cristo alegria dos homens, festejado no Natal, morreu, mas ressuscitou para perenizar a alegria. Coisa profunda demais e ninguém quer saber disso, não dá retorno financeiro... Ou dá?
E a vida segue: dia das mães - viva o comércio! - dia dos pais, das crianças e Natal! De alegria em alegria vamos vivendo.
Enquanto as datas não chegam voamos apressados de um lado para o outro porque é preciso nos aprovisionarmos financeiramente, alegria custa caro! É o jugo capitalista e nos submetemos a ele.
E se pudéssemos ser alegres todos os dias sem pagar nada por isso?
Já fomos assim um dia. Festejávamos o vôo das borboletas, enlouquecíamos correndo atrás delas, na maior alegria! Mas o sistema engoliu as borboletas, alterou o ecossistema... não há mais borboletas, porque não há jardins, pés de manga, de goiaba, jambo...
Que alegria uma pipa no céu! Oooh! Puseram cerol na linha e a alegria entristeceu...
Brincar na rua, jogar amarelinha, queimada, pique esconde... nada disso é possível mais...
Tanta alegria achar uma bala, perdida por alguém que deixava cair enquanto brincava, era uma farra... todos se amontoavam em cima uns dos outros e da bala, que se sujava toda... a gente limpava na roupa e cada um tirava um pedaço... uma bala para vários, um pedacinho de nada... era uma alegria só!
Hoje é a bala que acha a gente, e as crianças não brincam mais na rua para não serem achadas por uma bala perdida... culpa da violência, filha do sistema de consumo.
O que alegra as crianças hoje, se não há flores, nem borboletas, nem brincadeiras na rua?
Crianças sempre descobrirão uma nova forma de alegrarem-se, se forem amadas, amparadas, cuidadas, queridas, o que garante que sempre vamos poder dar de cara com a alegria, nos espreitando no brilho dos olhos de uma, ou de várias crianças.
A alegria é algo incitável que mora dentro de nós e se espelha nos pequenos olhos infantis, que nos fitam e sorriem sem nada pedir em troca. Olhos que, por enxergá-la, brincam com nosso olhar, provocando-a.
Alegria é, na verdade, uma cócega que acontece em nosso coração, sempre que nossos olhos fitam o belo, o simples, a obra do artista, o sorriso da criança, a beleza da criação de Deus.
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